terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

CONTOS DA VIDA PERDIDA


CONSUMIÇÃO (Fundação Ipiranga, 80 páginas, 2008, preço não informado)
José Antonio de Sousa Neto já é um nome conhecido na Literatura do Pará, ainda mais no gênero conto, que erroneamente é avaliado pelos não iniciados como um mero degrau para uma presumida ascensão ao romance. Engano crasso esse. A prova está neste livro de José Antonio, premiado muito justamente pela Fundação Ipiranga. Dividido em dois módulos – “Antes” e “Depois" -, cada um com oito narrativas, o livro flagra personagens em situações-limite que são construídas com delicada tessitura, às vezes sugerindo certo vagar, mas sempre de acordo com a dinâmica de cada conto. Como bem assinala Edílson Pantoja, escritor e mestre em Estudos Literários pela UFPA, J.A Neto retrata em seu livro “este homem pincelado desde a fase das primeiras manifestações pulsionais até os dias de adulto”.

SONHOS JOGADOS NO AR


CASA DE FARINHA
(Secult/Seduc, 2007, 56 páginas, preço não informado)


Resultado do edital de Literatura Infantil Imagina Só, este é outro livro de Daniel Rocha Leite que chega ao público leitor. A publicação obteve Menção Honrosa no edital referido e ganhou uma bela leitura imagética nas ilustrações de Miguel Imbiriba, que dão cor e vida à linguagem poética de Rocha Leite narrando as aventuras e desventuras de uma personagem infantil entranhada de vivências amazônicas, as quais o autor torna universal com sua delicada tessitura de palavras.

ORQUÍDEAS ANARQUISTAS: LIVRO DE PRIMEIRA


ORQUÍDEAS ANARQUISTAS
(Instituto de Artes do Pará/Secult, 2007, 76 páginas, preço não informado.

Os poemas deste livro, como bem ressalta o escritor português Antônio Vieira em seu prefácio à obra, falam de incompletude. De seu poema inicial ao final, percebe-se o sentimento lacunar, e evoca-se a noção de nostalgia, tão cara aos nossos tempos. Seriam estas saudades de uma era a muito morta? Seriam de uma pessoa? Não se encontrarão as respostas nos poemas em si, mas a partir deles. E é esta uma qualidade primária de livros em geral, e de uma obra de poesia em particular, que este livro de Paulo Vieira tem em abundância: a capacidade de fazer-nos não somente ler à sua poesia, mas vivenciá-la, acoplá-la ao dia-a-dia e tornar a dor do autor a nossa própria, numa espécie de desconstrução da receita de Fernando Pessoa. Por tudo isso, e mais as várias e brilhantes facetas da obra a serem descobertas por seus leitores, Orquídeas anarquistas merece muito mais que um mero passar de olhos. (Colaborou Alfredo Hesse Neto)

PARA QUEM GOSTA DE LER:LEITURA REGIONAL



INVISIBILIDADES
(Instituto de Artes do Pará/Secult, 2007, 132 páginas, preço não informado)
Mais que um simplório contador de histórias, Daniel da Rocha Leite escreve como um analista de situações, e é nisso que reside a força desta sua obra Invisibilidades. Em um tom de terceira pessoa, que é menos frio que profundamente pessoal, o autor desbrava comoventes relatos do dia-a-dia e os transforma em poesia pura, fazendo com que a mais prosaica das situações transforme-se na melhor das coisas, e mesmo o mero ato de se trabalhar e vender pães, como em seu primeiro conto, seja um modo de se conseguir alguma felicidade e ainda oferecer a mínima resistência à escuridão urbana que assola nossos dias. Mesmo os títulos dos contos deste livro são fascinantes convites a um mergulho na obscuridade e esperança das pessoas que habitam esse estranho espaço chamado “cidade”. (Colaborou Alfredo Hesse Neto)

PARA QUEM GOSTA DE LER


MELHORES CONTOS FAUSTO WOLFF
(Global Editora, 184 páginas, 2007, R$ 27,00)

Para avalizar ao leitor este livro bastaria este trecho do texto de Antonio Olinto, que assim fala sobre a narrativa curta de Fausto Wolff: “se destaca entre as que a literatura brasileira apresentou nos últimos trinta ou quarenta anos, juntamente com os contos de autores como Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Carlos Lacerda, Breno Accioly, Lygia Fagundes Telles, José J. Veiga, que revolucionaram o gênero entre nós”.
As personagens de Wolff são - via de regra - os excluídos da sociedade, os “humilhados e ofendidos, os que não aceitam a hipocrisia e a mentira, os que se revoltam”. Com esta argamassa ele constrói narrativas que são aguilhoadas na consciência dos leitores, sem abrir mão do bom humor e da escrita com estilo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

PELA MEMÓRIA DE UM POVO E POR JUSTIÇA AO NOSSO MAIOR POETA


Todo patrimônio cultural, seja ele tangível ou intangível, precisa ser preservado, fomentado e fortalecido. Esse é um compromisso que todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal) deveriam priorizar. E todos os governos sabem que devem isso aos grupos organizados, aos artistas e, principalmente, a sociedade. No entanto, a cultura sempre esteve à margem das prioridades e, junto com ela, uma enorme parcela da sociedade que carece de bens culturais; um grande contingente de pessoas que tem fome de leitura, cinema, teatro, memória, etc. Pessoas que vivem no mais pacato e insensato estado de miséria cultural, sem perspectivas, tendo corroídas suas possibilidades de acesso aos bens culturais e à informação com conteúdo de qualidade pelo descaso cultural histórico e proposital dos governos e da elite que os sustenta. Isso lembra o pensador alemão, Karl Marx, quando dizia que o movimento da História-Cultura se realiza por meio das lutas de classes sociais para vencer formas de exploração econômica, opressão social e dominação política. O fato é que, mesmo com muita luta, historicamente, os movimentos sociais, assim como os poetas, artistas e grupos culturais sempre foram marginalizados, desrespeitados pela classe dominante de mercenários e burocratas.
Exemplo desse desrespeito com toda a sociedade paraense é o estado atual que se encontra a antiga Casa do Poeta, na rua Siqueira Mendes, em Icoaraci. A casa que deveria ser, pela sua forte simbologia, um espaço dinâmico da linguagem literária ou de realização de atividades artístico-culturais permanentes, não passa de ruínas invadidas pelo matagal da área que cresce a cada dia, destruindo os restos mortais do prédio, dando, ao mesmo tempo, lugar a uma paisagem urbana desastrosa, fedida e aterradora.
Esse descalabro do patrimônio histórico teve seu processo desencadeado ainda na gestão dos governos Almir/Jatene, quando o prédio era administrado pelo Conselho Interativo de Segurança e Justiça – CISJU. Nos anos de 2003 e 2004,o prédio, algumas vezes, chegou a ser utilizado como espaço para a realização de oficinas de arte-educação em parceria com a, hoje, quase extinta Fundação Cultural do Município de Belém – FUMBEL. Mas já se encontrava em perfeito estado de abandono. A partir daí, ninguém sabe, ninguém viu. O descaso continua e até agora não se tem nenhum parecer do atual Governo do Estado que, não muito diferente do governo passado, é ótimo de retórica e péssimo de ações.
A verdade é que a Casa do Poeta se transformou num verdadeiro antro receptador das pútridas mazelas sociais. Virou a casa da “Mãe Joana”, ou pior, a casa dos indigentes emporcalhados, dos puxadores de fumo, da prostituição improvisada, da violência sexual, etc. Ou em outros termos, a casa do poeta se transformou na CASA DO ESTUPRO! Não só do estupro literalmente carnal, mas do estupro da dignidade e da memória histórica de um povo que, nesse caso, se alicerça no patrimônio histórico (a casa) e num outro tipo de patrimônio cultural (a poesia, a música, a dramaturgia) produzido por um dos maiores expoentes da cultura e da literatura desse Estado: o poeta Antônio Tavernard.
Desse modo, a reforma da casa do poeta seria a resposta mais sensata do Governo do Estado à sociedade paraense. Além disso, se faz urgente e necessário que os governos deixem de lado a retórica estrategicamente calculada e a burocracia, principalmente quando tratarem de assuntos relacionados à cultura, pois todos os artistas e produtores culturais sabem que desculpas esfarrapadas e exacerbo de burocracia não combinam com cultura.

Portanto, agora que o estado do Pará é “Terra de Direitos”, a população que tem e os que terão conhecimento da real situação da casa do poeta, com certeza querem que o “governo popular” tome as devidas providências não só pelos seus caprichos políticos, mas pela cultura, pelo direito da sociedade, pela memória de um povo e por justiça ao nosso maior poeta.

Evanildo Mercês

Ator, contador de histórias,

Estudante de Administração da UNAMA e de Filosofia da UFPA.

www.evantropofagicovisceral.blogspot.com

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

JORNALISTAS


Nada do que é humano me é estranho. Se a memória, embotada pelos anos de fechamento e madrugadas não me prega alguma peça, esta frase de Karl Marx espelha bem o não-estranhamento meu diante de algumas atitudes humanas.
Não é bem o caso, mas cabe nos finalmente a que se propõe esta crônica. Soube pelos jornais que o curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará é o terceiro mais procurado pelos jovens que vão fazer vestibular. Outra notícia dá conta, também, que é considerado pelo Ministério da Educação um dos piores do país. Nenhuma das duas notícias me surpreende, confesso, mais tais constatações acabam por me conduzir a algumas reflexões sobre o tema.
Primeiro, fico pensando se este jovem, esta jovem que sonha com faculdade de jornalismo, conseqüentemente com o exercício da profissão, sabe que (segundo especialistas divulgaram recentemente) esta função que pretende exercer é uma das bem menos remuneradas, principalmente para os que nela se iniciam, e ainda que (novamente lembro: são os entendidos em economia e emprego que dizem tais coisas) esta é uma profissão sem nenhum futuro. Também reflito: será que “esses moços / pobres moços “ sabem que terão uma vida atrelada ao veículo no qual trabalharem, como horários inexatos, poucas perspectivas de ascensão e pouquíssimo tempo de diversão ?
Mais: quando exultarem com o primeiro “furo” conseguido, receberão, à guisa de estímulo, apenas um resmungo do chefe de reportagem e do diretor de redação, e uma nova pauta para cobrir um chá beneficente de senhoras amigas do proprietário do veículo de comunicação ou mesmo um encontro de idosos magistrados que discutem o sexo dos anjos?
Se a esta altura, lendo estas linhas e traduzindo delas um tom sombrio da futura profissão, o aspirante a jornalista estremeceu diante das nada agradáveis possibilidades que se descortinam para ele, até mesmo bizarras, aconselha-se: é melhor desistir, seguir outra profissão, ser ascensorista, bancário, farmacêutico, zelador, guardador de automóveis, enfim, qualquer outra atividade. Menos jornalismo, claro.
Outra coisa: se o mocinho ou mocinha pensam em sair da faculdade e ir logo pilotar um telejornal – como muitos sonham e somente uns poucos conseguem – leiam este depoimento de Chico Pinheiro, da Rede Globo, que só após 20 anos na profissão ousou ir para a frente das câmeras: “...a primeira coisa é descobrir que essa profissão é paixão. Sem paixão não se faz nada na vida. Não se pode ser jornalista como se fosse um burocrata, que trabalha de tanto a tanto, um cara comum que no fim do expediente tira a roupa de jornalista. Não é assim. O jornalista é jornalista na hora em que acorda, em que deita e às vezes ainda sonha com a notícia.” (entrevista publicada na revista Jornal dos Jornais, outubro de 2000).
Paixão... fico pensando que é esta a pedra-mestra desta profissão, é ela que nos faz mover mundos, vibrar com um “furo”, lastimar um erro, praguejar contra a má sorte, xingar até mesmo o Papa. É esta paixão louca que nos faz, a nós jornalistas, odiar algozes, ditadores seja à esquerda ou à direita, burguesões, ladrões do erário público, e sempre querer ficar do lado dos menos favorecidos, com a pífia esperança de que ainda podemos mudar o mundo.
Na verdade, penso eu, nós, jornalistas, somos aprendizes da esperança. É a ela que nos agarramos como um náufrago à tábua de salvação.

* O autor é escritor (15 livros publicados), jornalista e radialista, além de professor do ensino superior.